sexta-feira, setembro 11, 2009

Lido por aí

O Henrique publicou no seu blog - antologia do esquecimento - um belo texto sobre duas personagens míticas da sua (e também minha) infância, nomeadamente dois vagabundos que calcorriam as ruas de Rio Maior e que não possuiam mais do que a pouca roupa que envergavam no dia-a-dia. Dos dois recordo-me bem do Mimi (o Henrique escreve que lhe chamavam Quim Mimi, mas eu não me recordo de usar o Quim, mas também sou um pouco mais novo), já o Pé-descalço foge-me completamente da minha memória. Recordo-me ainda de outro desalinhado que corria a cidade de Rio Maior e que julgo ter visto à pouco, mas não me recordo do seu nome, recordo-me sim de uma situação que se passou com ele e com o meu pai num dia em que estávamos a fazer umas mudanças no antigo escritório da Rua Serpa Pinto. Estando nós a fazer as mudanças, apareceu tal sujeito a pedir uns trocos ao meu pai e o meu pai disse-lhe - já que ele era um homem de bom porte, que, caso ele ajudasse um pouco o meu pai dava-lhe uma quantia pela ajuda. Assim foi. Mas à primeira subida das escadas do 103 (julgo que era este o n.º do prédio, mas posso estar enganado) com a carga às costas ele desistiu da sua árdua tarefa e disse ao meu pai: "É pá, senhor Louro, deixe estar o dinheiro que isto está a dar-me cabo das costas." e foi embora. Moral da estória, não há dinheiro que valha a nossa saúde! :)
Fora este acrescento, o Henrique refere "Aqueles dois vagabundos foram talvez o primeiro impulso numa inquietude em crescimento, um estímulo que desenvolveu dentro de mim uma enorme vontade de partir cristais. Sempre gostei da vagabundagem, dos homens sem lei, dos atentados ao pudor. ", eu quanto a isso não consigo precisar, mas também partilho um certo gosto por estas personagens, estes tipos fora de lei, não chicos espertos, nem oportunistas baratos, mas aquelas pessoas que não se sabe bem como é que fazem para sobreviver, mas que sobrevivem completamente fora daquilo que são as regras socias vigentes. Gosto da transgreção da normalidade, nas artes e na vida real, gosto das opiniões discordantes em contraponto à vigência da maioria, mesmo absurdas (no nosso entender) parecem-me sempre mais honestas.
Vou transcrever um excerto que considero bastante elucidativo do que quero expressar:
Mais tarde, muito mais tarde, lembrei-me deles ao sublinhar um epigrama de Goethe: «Não me posso admirar de Cristo Nosso Senhor ter gostado / De viver com putas e pecadores. Pois o mesmo se passa comigo!» (trad. João Barrento) E foi deles que me lembrei quando li num conto do Bukowski chamado Fibra: «Com os vagabundos sinto-me eu à vontade, pois sou também um vagabundo, mas não gosto de leis, de morais, de religiões e de regras» (trad. Manuel Resende). E é deles que agora me lembro. Já morreram os dois. O Pé-descalço desapareceu sem deixar rasto. O Mimi morreu depois de suportar vários acidentes em casa, ou seja, nos caixotes do lixo onde dormia. Da última vez que soube dele, contaram-me que o tinham tentado internar num lar mas que ele sempre recusara. Julgo que chegou mesmo a fugir uma vez ou duas. E fez ele senão bem.



Não posso deixar de referir a foto que acompanha o post, tirada pelo grande fotógrafo de Rio Maior, o Sr. Rodrigues, que era meu vizinho no 103 da Serpa Pinto, nós tinhamos o lado esquerdo e ele o andar da direita onde tinha o seu estúdio de fotografia onde tirou esta fotografia. Lembro-me de lá ir muitas vezes e de ter visto várias vezes o estúdio e todas o processo de revelação das fotos, já na altura a fugir dos tempos no escritório e a buscar por coisas mais "interessantes". Guardo algumas fotos tiradas por ele e o seu livro publicado, salvo erro, pela Câmara Municipal, devidamente autografado.

Podem ler o post aqui.

ps: nem por encomenda, eis que me deparo com esta notícia do Público sobre uma amiga.

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4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Olá,
Parabéns pelo Blog....gostaria de convidá-lo a visitar o nosso....minervapop.blogspot.com
Valeu!
Anselmo - SP

5:22 da manhã  
Blogger Lerato said...

Também tinhamos o Chico que apenas se mantinha debaixo de um tecto por causa da mãe (senhora bem rija que aos 90 e tal quase cega das catarratas ainda lavava a roupa no tanque nas mais frias manhãs de inverno), que se via e desejava para que o Chico tomasse banho uma vez por semana. O Chico morreu meses depois da mãe morrer (que apenas ficou de cama quando lhe deram antidepressivos por causa dos nervos pelo Chico ser operado e que nunca mais se levantou porque a dose foi forte demais). Ambos sempre recusaram-se a ser enfiados num lar, apenas acederam a que lhes trouxessem almoço e jantar para não pegar fogo à casa.

E é verdade o Mimi sempre que era colocado no lar fugia, os caixotes do lixo sempre foram mais confortáveis para ele. Segundo a minha mãe foi o funeral mais concorrido da cidade, num dia em que choveu tanto que o caixão veio à superfície, quem sabe a última palavra do Mimi...

Tivemos mais 2 figuras de passagem, uma senhora de idade que dormia à frente da camara municipal que se manteve pouco tempo por cá. E um senhor também de idade, tipico hippie dos anos 60 mais o seu cão que ainda se manteve cá umas semanitas...

Faz-me lembrar um dos meus vizinhos recentes no Desterro, que apesar de ter um tecto e esposa, recusava-se a ir a casa e preferia dormir ao relento, arrumar carros e que a fiel esposa lhe trouxesse a comida à rua.

9:29 da tarde  
Blogger AR said...

Não kero chatear...mas elucidativo é com E! ^^

11:27 da manhã  
Blogger Paulo para todas as obras said...

Pardon mi french! ehehe
Correcção feita!
muchas gracias! ;)

11:54 da manhã  

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